A greve no
serviço público deve ser encarada de maneira ímpar, pois, além da continuidade
dos serviços essenciais, na esfera da administração pública o interesse que
prevalece é do público sobre o privado.
Por público não
se entende do Estado ou Governo, mas da sociedade. Esta não pode ter violado o
acesso aos serviços públicos em razão do interesse privado de agentes em greve.
O STF ao julgar
os Mandados de Injunção 670, 708 e 712 optou por aplicar a Lei n. 7783/89, que
regulamenta a greve no âmbito privado, aos servidores públicos até a
promulgação de lei específica. A medida é paliativa e não alcança as
particularidades da relação sociedade-servidores-administração pública.
O tripé basilar
das garantias ao trabalhador privado é o direito à sindicalização, direito à
greve e negociação coletiva. Dos três, a Constituição prevê aos servidores
públicos o direito à sindicalização e o direito à greve, estando excluído o
direito à negociação coletiva.
A negociação coletiva
aos servidores públicos já possuiu previsão legal no art. 240, alíneas D e E,
da Lei n. 8112/1990, porém foi declarada sua inconstitucionalidade através da
ADIN 492-1 DF em razão de ausência de previsão constitucional.
Assim, ao
exigir lei específica ao exercício do direito de greve aos servidores públicos
e excluir a possibilidade negociação coletiva, fica claro que a Carta Magna
optou por um exercício do direito de greve próprio no âmbito da administração
pública.
Como ressalta o
ex-Ministro Carlos Velloso em voto na ADIN supracitada:
“É certo, assim, que as relações do servidor
público com o Estado são diferentes daquelas que se estabelecem entre empregado
e patrão. Por isso, não é viável dar-lhes tratamento igual e nem a Constituição
o fez.
Tanto isso é verdade que, quando quis
conferir ao servidor alguns dos direitos atribuídos aos trabalhadores em geral,
a Carta mandou aplicar-lhe os preceitos correspondentes (art. 3º, §2º, e 42, §
11). Se ambas as categorias tivessem o mesmo status, os servidores públicos só
por isso gozariam dos mesmos direitos daqueles trabalhadores, não havendo razão
para a Carta mandar aplicar-lhes as normas que os prevêem.
E mais: os próprios preceitos
constitucionais sobre servidores públicos, de acatamento obrigatório por todas
as pessoas políticas, demonstram a diversidade de tratamento, com a concessão,
em favor do interesse público, de garantias inexistentes para os empregados
privados.”
(ADIN 492-1. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ
12/03/1993)
No setor
privado a atividade visa o lucro, sendo que a greve, por atingir
financeiramente o empregador, força uma negociação.
Já na
administração pública, com exceção das empresas públicas e de economia mista, o
fim das atividades não é o lucro, mas garantir direitos sociais. Assim, o único
prejudicado com a paralisação desses serviços são os que dele necessitam para
exercício de direitos fundamentais como direito de ir e vir, saúde, educação,
etc.
Cabe ressaltar
que no âmbito da administração pública é vedada a convenção coletiva para
negociar vencimento, conforme assinalado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula
679[1],
pois vencimento só pode ser modificado por lei (art. 37, X da CF[2])
de iniciativa do chefe do executivo (art. 61, §1º, II, a da CF[3])
e, portanto, limitado aos critérios de conveniência e oportunidade.
Quanto à
resolução do conflito de greve, a Lei 7783/89 prevê juntamente com a greve sua
resolução por meio de negociação coletiva, com participação da Justiça do
Trabalho e Ministério Público do Trabalho.
No setor público
a negociação é política e não permite interferência da Justiça em razão da independência
entre os poderes.
Conforme
observa Di Pietro:
“A dificuldade está no fato de que, tanto o
direito de sindicalização como o direito de greve, cuja importância para os
trabalhadores em geral diz respeito a assuntos relacionados com pretensões
salariais, não poderão ter esse alcance com relação aos servidores públicos,
ressalva feita aos das empresas estatais. Com esse objetivo, o exercício do
direito de greve poderá, quando muito, atuar como pressão sobre o Poder
Público, mas não poderá levar os servidores a negociações coletivas, com ou sem
participação dos sindicatos, com o fito de obter aumento de remuneração.
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 25 ed. p. 620)
Por não ser
possível ajuizar dissídio coletivo ou negociação coletiva no setor público, em
razão do princípio da legalidade e reserva legal, a greve tem se mostrado tão
somente meio violador de direitos fundamentais da sociedade, não alcançando seu
fim.
A Constituição
de 1988 criou um regime de greve próprio aos servidores públicos que difere do
regime privado na sua essencialidade. A necessidade de lei específica se mostra
urgente e a medida escolhida pelo Supremo tem se mostrado insuficiente.
O que o
dia-a-dia tem mostrado é em razão da tentativa de preencher a lacuna
legislativa há uma constante adaptação de adaptações realizadas pelo
judiciário. Os assuntos levados aos tribunais, em razão da permissão de uma
greve não regulamentada, centram-se sobre as paralisações serem legais ou
ilegais, a possibilidade de corte ou pagamento integral dos vencimentos e sobre
percentuais mínimos de manutenção de serviços essenciais. A partir dessa etapa,
toda decisão passa ser política.
[1]
Súmula 679 STF: A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser
objeto de convenção coletiva.
[2]
Art. 37, X da CF - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que
trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei
específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão
geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices
[3]
Art. 61, § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis
que:
(...)
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
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